Sunday, March 2, 2008

Carta Registada

…Havia o infinito e o mar sobre nós, com sol nublado, e dei-te uma pedra negra que rolou do coração, para dentro do ano novo.
Estavas de óculos cor-de-pedra, sentada no ano velho, como se eu tivesse regressado das lavadias brancas, com o teu véu cansado de noiva.
Havia namorados que namoravam, e nós no percurso, sem nos vermos, a olhar um para o outro.
Sabias a doce de mel salgado, e eu, a sal de abelha.
Dizia amor e tu amora, silvestre.
E a terra fria da mornaça de Janeiro, prescrevia o sonho a lacre de sangue fino e frio e pingos de coração, breve e magoado.
Preenchemos então o desejo, que bebi dos teus silêncios.
Deixaste-me tocar, nas tuas mãos secretas, leves e sem anéis brancos, ainda puras de tanto dar e receber.
As tuas mãos de concha, dos filhos a crescerem.
As tuas mãos esguias, das notas soltas do piano triste e adormecido.
As tuas mãos quentes, dos recantos íntimos do nosso corpo, em sabor e desvario.
As tuas mãos, que fizeram o calor do colo frio, da nossa dor no canal.
As tuas, e as minhas mãos.
Feridas.
Tomámos então, com estrangeiros, como amigos estrangeiros, um café chique da cidade em hotel da noite, das noites que gostaria de viver intensamente contigo,
e dei-te uma pedra da cor dos teus olhos pretos, do mar que me deixas, branco de mais de tantas ondas, para poder cantar outra vida …


SIDÓNIO BETTENCOURT
in Deserto de Todas as Chuvas

2 comments:

asperezas said...

:-)

CBugarim said...

Ainda nao te disse, mas o teu sorriso eh igualinho a um que tenho no meu desktop. Isto ha la coisas!!! ;-)