Tuesday, June 24, 2008

Adeus, fiel amigo!!!

Há uns anos atrás e a propósito das suas características, a Joana disse:
- Um dia, quando o Sheik morrer vai direitinho para o céu!!!

Até sempre, companheiro, continua a guardar-nos como sempre fizeste.

Sunday, June 22, 2008

Um Continente à Deriva

Lisboa – A efeméride da constituição em Addis Abeba da Organização da Unidade Africana (OUA), 25 de Maio, é assinalada como o Dia de África. Corrupção crónica, ditaduras, massacres, xenofobia, racismo, são os ingredientes que acompanham esta celebração reforçando os clichés sobre um continente à deriva na sua dignidade onde a unidade e esperança são ainda uma miragem.

«Porque é que África está a morrer? Na maior parte dos casos, porque está a se suicidar», escreveu Stephen Smith provocando uma avalanche de criticas acusando-o de racista e colaborar com os decrépitos espíritos colonialistas.

Qualquer elogio à África misteriosa, bela, sedutora, enigmática e rica é tolerado mas também ignorado devido à multiplicidade de adjectivos semelhantes sempre colados ao continente Negro. Mas criticar África é um tabu com efeitos devastadores assegurados contra o seu autor. Um exemplo recente deste fenómeno foi o tipo de ataques contra Bob Geldof após ter denunciado uma realidade da elite angolana

Na realidade África tem tudo para ser o continente exemplar do planeta. Riquíssimos recursos naturais, intelectuais iluminados, um exemplar património histórico-cultural, uma variedade geográfica ímpar. Mas mergulha no caos. Os excessos do colonialismo branco passado são reproduzidos hoje na sociedade africana como se fosse o fado natural do povo prescrito pelos seus libertadores. As máximas ditadas durante as lutas pelas independências em África são hoje ridicularizadas e pelos próprios dirigentes africanos. Sobrevoando África é impossível ficar alheio às particularidades da maioria dos regimes políticos africanos. No Norte de África apenas a Argélia sobrevive num regime de características democráticas. A sul do Sahel é necessário procurar meticulosamente os Estados que usufruem de uma verdadeira democracia. Na maior parte dos casos são ditaduras dissimuladas em democracias onde as eleições são meros instrumentos de legalização de uma eterna nomenclatura no poder, daí que cada sufrágio resulta numa vaga de violência e contestação, fortemente reprimida e silenciada com a bênção de outros regimes gémeos.

O significado dos valores dos Direitos Humanos também se transforma em África em humanos com alguns valores mas sem direitos. A distribuição justa das riquezas é uma absoluta miragem, e a crise é vendida à população como o resultado de feitos nefastos sempre externos e nunca como reconhecimento da incapacidade interna de governar. O racismo, vigorosamente condenado no passado tornando-se no estandarte para a libertação, reaparece sucessivamente no continente com actos de extrema e insuportável violência despertando continuamente o regresso aos genocídios raciais e tribalistas.

Hoje quatro grupos se destacam em África. Os Governantes, absolutamente alheios às realidades dos seus países, concentram todas as energias na manutenção das suas fortunas e poder, alimentam junto do povo uma sacra e idílica imagem típica das ditaduras mais ferozes, o Estado é uma propriedade privada, defendem os sucessos do desenvolvimento nacional mas enviam os filhos a estudar no estrangeiro e frequentam apenas os hospitais na Europa e América. Um segundo grupo, composto por uma reduzida classe média, instrumentos do poder, suporta as ilusões da classe dirigente e fomenta a imagem dos grandes lideres alimentando dogmas e fantasmas passados, imaginando supostos complots externos, como veículo de viciar uma população num só regime paternalista e omnipresente. A maioria da população constitui o terceiro grupo, sobrevive e tenta viver, é a primeira vítima dos excessos do primeiro grupo contra o qual não pode se opor abdicando da dignidade e dos valores aclamados nas proclamações das independências. Por fim, o quarto grupo, que não acredita na palavra futuro ou esperança, aposta no salto para a emigração, frequentemente para a ex potência colonizadora, como a ultima arma de sobrevivência pessoal e familiar, uma ilusão que na maior parte dos casos resulta num fracasso e na humilhação.

O Dia de África deveria ser a ocasião do continente se debruçar sobre ele mesmo e em vez de ovacionar migalhas de sucesso reservado a uns, reflectir que o fiasco da OUA, criada a 25 de Maio de 1963, que em 2002 morreu e ressuscitou na União Africana, foi o primeiro sinal que as instituições africanas e os seus governantes também falharam e não cumpriram as promessas que dignificaram as lutas de independência.

Enquanto a maior parte dos dirigentes africanos asfixiam e destroem o continente, a população dá um novo folgo e salva África, impõem-se através da música e da dança que atinge hoje os maiores índices de popularidade mundial tornando-se numa referência artística, difundem a arte que fora considerada injustamente como «arte primitiva» é hoje defendida e patente em lugar de honra nos mais prestigiosas galerias e museus, destacam-se em todas as modalidades desportivas, fazem da gastronomia um embaixador de sabores únicos, e impõem-se na literatura como veiculo de contar a singularidade e a pluralidade africana.

Ninguém pode prever o futuro próximo do continente africano, terra onde numa fracção de segundo uma faísca se transforma num devastador meteorito. A longo prazo África vai certamente se descobrir, abandonar os argumentos e os bodes expiatórios da fatalidade, uma nova geração emergente já está a arregaçar as mangas para provar que ser independente é não depender das ilusões de uma velha nomenclatura no poder assente numa efémera auto sacralização.

Rui Neumann

Saturday, June 21, 2008

My Sweet Lord, tributo a George Harrison

Joe Cocker

Do outro lado...

está o sul

estás tu
as minhas imbambas
e tantas recordações...

Thursday, June 19, 2008

África


Trouxe na memória o vermelho da terra,

Os poilões que se abrem como os livros,
A quente humidade que se cola à pele,
O pôr-do-sol abrasador que esmaga a linha do horizonte,
As cores vivas que por todo o lado inundam a vida,
Os enormes formigueiros das termiteiras,
Os coutos dos arbustos em praias de criação recente,
O coaxar sem fim dos batráquios pela noite dentro,
A espuma cremosa de um café bem batido,
O gosto das ostras abertas sobre chapa quente,
Os mangueiros e cajueiros que crescem rebeldes,
O sabor de um bom chabéu à mesa de amigos,
A diversidade cultural que pupula nas ruas,
Os papéis e os balantas, e todas as outras etnias,
O burburinho da entrada e saída dos táxis colectivos,
As boleias cravadas em todas as estradas,
A travessia do tranquilo rio a caminho de Farim,
As quedas de água e a força do rio no Sul,
As grossas gotas de chuva num manto sem fim,
A alegria de um viver diferente.
Trouxe na alma um feitiço, certamente…
Pois cá tão longe ela chama por mim,
Impiedosa, insistente,
Como se pudesse haver um amor assim!


Joana Roque Lino

Poema de Nok Nogueira


se pudesse ainda colher de teu ventre a fragrância rubra das acácias
teria ainda benevolência para digerir o compêndio das frases
douradas
que cativam a orla do tempo
se pudesse ainda sentir em deitada areia brisa em cada instante de
amor
convocaria o surrealismo de meu âmago e deixar-me-ia
sequestrado
quiçá entorpecido na silhueta de teus lábios quão belos são meus
depositando flores e suores em teu prado por ti por mim por nós
e por vós
para que nossos dias forjassem um novo edifício no sémen da
Pátria

Wednesday, June 18, 2008

Angels, part III

O meu avô António era diabético, mas à boa maneira africana, estava-se nas tintas para tudo o que lhe fizesse subir a glicemia. E nós, trastes inconscientes, fazíamos-lhe as vontadinhas todas.
Adorava o roupeiro que a avó Isaura tinha no quarto do meio, cheiiinho de coisas lindas, vestidos e adereços de cortar a respiração. Tinha um espelho de mão em prata que utilizava para retocar as sobrancelhas, pintar os lábios e realçar ainda mais um sinal que tinha no rosto. As fotografias que tenho de família, estavam lá também, guardadas e etiquetadas em caixas de papelão forradas a papel de lustro.
Mas o que me atraía mesmo eram as caixas metálicas onde o avô guardava as seringas que utilizava para a insulina. Ensinou-me a espetar as agulhas nas pernas e aquilo deu-me umas ideias demoníacas. Comecei a treinar nos chorões da minha irmã e numas horríveis bonecas de borracha que me ofereciam no Natal. A mim, desgraçada, que só gostava de dinky toys, pistas de carros e comboios, bicicletas e karts.
As galinhas, patos e afins da capoeira imensa que a avó tinha no quintal eram um tormento para as minhas brincadeiras porque a minha oficina era ali perto, no único lugar do quintal onde não havia nem sol, nem formigas. Credooooo, mesmo com mangueirada de meia-noite várias vezes ao dia, aquela bicharada fedia, aiii se fedia!!!
Na casa de banho, fora do alcance da criançada, havia um armário de parede (bem colocado lá no alto) onde a avó guardava alguns medicamentos. Utilizei o banco da despensa em madeira sólida, que servia para chegar às prateleiras mais altas e, com a ajuda da Olímpia (que era mais destravada do que eu), inspeccionei cada frasco e embalagem. Fui buscar o almofariz e comecei a fazer a mistela que iria aplicar na minha primeira experiência ao serviço da medicina.
Ao fim de uns quantos quininos, Asporos e pastilhas Rennie esmagados, devidamente misturados com alguns xaropes, pomadas, Mentolato, Leite de Magnésia Phillips, óleo de fígado de bacalhau, água oxigenada, álcool, tintura de iodo, mercúrio-cromo e outros compostos que fui adicionando, o preparado não estava suficientemente líquido para ser absorvido pela agulha da seringa que subtraí da mesinha de cabeceira do avô. Vai de ir buscar vinagre, azeite e algum petróleo que a Olímpia conseguiu aspirar do depósito de um fogãozito onde durante todo o dia se ferviam enormes panelões de água que era depois metida nos filtros de porcelana.
Já com a mixórdia pronta e testada numa das bonecas da minha irmã Cristina, desci as escadas de trás que saíam da varanda da cozinha e com a enfermeira Olímpia, enfiei-me na capoeira. Não sem antes me apetrechar de duas bolinhas de algodão que coloquei nas narinas por causa do odor a caca de galinha.
A minha ajudante agarrou um pinto todo airoso que se atravessou no nosso caminho quando nos dirigíamos para o fundo da capoeira, junto ao poleiro, onde iríamos instalar a enfermaria de campanha. O coitado nunca mais se mexeu após ter levado a primeira inoculação. Eu hein???, que nem sequer tinha descurado o pormenor do algodãozinho com álcool para lhe esfregar a coxa onde tinha levado a intramuscular profunda!!!
Seguiu-se o estúpido do galo que me acordava de madrugada, um pato branco armado em cão raivoso que um dia me bicou uma canela e um pirúm, que antes da pica, levou com uma papinha de anestesia.
Só ao fim de ¼ de capoeira devastada, dois dias depois, me apanharam com a boca na botija porque a malvada da Mikas me denunciou. Da janela de um dos quartos tinha conseguido seguir em detalhe o tratamento aplicado aos seus vizinhos bípedes.
O meu avô não se ralou nada porque constatou que as técnicas que me ensinara, tinham resultado na perfeição. A minha avó pôs-me de castigo quase uma semana.
A Mikas nunca mais teve a ousadia de me dirigir palavra, não fosse ser atingida por uma seta impregnada no produto utilizado.

I had a dream...

Quoting Eugénio Costa Almeida
...

Tal como Martin Luther King, eu ainda tenho um sonho.

Ver África como o Grande e Próspero Continente onde as doenças endémicas estão erradicadas; onde não se veja umas pequenas centenas de pessoas riquíssimas – com fortunas estranhas – e milhões, muitos milhões a padecerem de fome; estradas e caminhos-de-ferro levarem o desenvolvimento ao interior; cidades urbanizáveis e não aglomerados de pobres e indigentes; água, luz e todo o saneamento básico como um facto habitual e não uma amostra – pequena amostra – num todo.

Eu ainda mantenho o sonho de ver África como um Continente e não como um local exótico!



Aninhas e Goi

Joana & Savimbi, 2º Lugar

Tuesday, June 17, 2008

Joana, o "paciente" e as colegas





Tombua-Landana Project, Cabinda



Cabinda, 12/06 - O estudo de impacto ambiental do Projecto de desenvolvimento do campo petrolífero Tômbua-Lândana, do bloco 14 em off-shore, foi apresentado hoje (quinta-feira) ao público de Cabinda, em cerimónia ocorrida no edifício da Menga Engenharia, nesta cidade.
Ao intervir na cerimónia, o chefe de Departamento do Ambiente da Direcção provincial da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Pesca e Ambiente, Daniel Tati Luemba, disse que o estudo foi encomendado pela Cabinda Gulf Oil Companhy (Cabgoc) Limited, subsidiária da Chevron, à URS Corporation.
Disse que a sociedade cabindense tem um papel fundamental nas questões do impacto ambiental, razão pela qual se realiza a presente consulta pública antes da implementação do projecto, para a recolha de contribuições.Tati Luemba referiu que a apresentação do estudo visa igualmente dar a conhecer à sociedade as actividades planeadas e sua calendarização, avaliação do impacto ambiental, planos de gestão ambiental, benefícios sociais e económicos. O projecto Tômbua- Lândana, situado a 80 quilómetros da costa marítima de Cabinda, numa lâmina de água de 370 metros de espessura, envolve uma área de 425 quilómetros quadrados, de um total de quatro mil e 14 quilómetros do Bloco 14, cuja produção actual é proveniente das plataformas Benguela, Belize, Lobito Tomboco e Kuito.


Monday, June 16, 2008

Letra de Voltar, Rodrigo Leão



Manhã Cinzenta
Faz-me chorar

A chuva lembra
O teu olhar
As folhas mortas
Caem no chão
A dor aperta
O coração
Quanto eu não daria
Para poder voltar atrás
Volta pra meu peito
Daqui não saias mais
Perdi-me AMOR
Pra te encontrar
Na solidão
Do teu olhar
No teu olhar
Se perde o meu
Também o mar
Se perde no céu
Quanto eu não daria
Para poder voltar atrás
Volta pro meu peito
Daqui não saias mais

Angels, part II



É sempre um caos, o dia em que viajo. Desta vez foi bem pior porque no mesmo dia fiz 2 voos.
Fui fazer o check-in no Hotel Malongo às 05:45am e cerca de 1 hora depois rumamos a Cabinda. Apetecia-me dormir mas os saltos do autocarro jogavam-me contra a janela e de pouco me valeu a carrada de cansaço que tinha dentro de mim.
Chegamos ao aeroporto por volta das 8 e de imediato nos mandaram entrar para o Dash 8 que já estava prontinho à nossa espera.
Dormi cerca de 40 minutos e acordei quando senti que o avião já estava a descer para Luanda. Ficamos em fila de espera para a aterragem, demos umas duas voltas em espiral e por fim lá conseguimos pousar na pista principal, a 23, se a memória não me atraiçoa, o que nos valeu mais cerca de 15 minutos na escapatória antes de finalmente rolarmos até ao parking.
As famosas filas intermináveis de trânsito esperavam-me mesmo ali, desde o terminal das chegadas internacionais no 4 de Fevereiro, sem ponta de asfalto livre à nossa frente. Quase uma hora durou o percurso desde o aeroporto até ao Bairro Azul. Foi chegar a casa e ir a correr ao banco para levantar kumbu e tratar de mais uns detalhes. Almocei com o meu cunhado e a minha mãe e quase nem me lembro de como cheguei à minha caminha para uma reparadora siesta. Embalei a dormir até o telemóvel tocar, por volta das 4 da tarde, com o Valter a anunciar que me iria buscar dali a uma hora para me levar de novo para o aeroporto.
O check-in para Lisboa só abre às 18:00 mas é sempre mais seguro chegar um pouco antes por causa das bichezas e também porque à quinta-feira parte o Houston Express, apinhando por completo o já pequeno 4 de Fevereiro.
Encontrei imensos colegas enquanto fumava cá fora uns cigarritos, durante aquela hora que mediou a minha chegada e a abertura do check-in. Os mosquitos eram aos milhões, esvoaçando sobre as nossas cabeças e atacando os mais branquinhos que se enchiam de repelentes com cheiros horrorosos.
O tempo passou num instante e quando chegou a minha vez, pedi à assistente um lugar à janela. Tenho que vir a espreitar o tempo todo e quem me vir fica com a certeza que nunca andei de avião tal é a excitação e curiosidade com que observo o que a vista alcança da janelinha do avião. Desta vez, como da última, foi um 747 da South African Airlways em vez dos novinhos Boeing 777 da TAAG lá estão a enferrujar-se no aeroporto, esperando que seja levantada a proibição de voarem para a Europa.
As tripulações de cabine são mistas (TAAG e SAA), mas os camionistas do ar são da companhia sul-africana. Já viajei, em voos DT camuflados, na Air Comet e na Middle East Airlines e o procedimento é exactamente igual. Valha-nos isso, porque o pessoal de cabine da TAAG é uma ternura para os passageiros.
Às 21 horas ouvimos a chamada de embarque e uns minutinhos antes das 22 lá se apagaram as luzes de cabine e o monstro começou a rolar em direcção à pista principal.
Tudo isto para vos dizer que a revista de bordo da TAAG, Austral, meticulosamente metida em cada bolsa à nossa frente, tem sempre umas reportagens ricas em imagens e conteúdo sobre Angola e outros países. Desta vez os meus olhos quedaram-se nas Viagens no Tempo, sobre o Cine-Teatro Monumental de Benguela. Emocionei-me ao vê-lo ali à minha frente e milhentas recordações me passaram pela cabeça a 100 à hora, como uma bobine de película desgovernada e desatei a rir à séria. A senhora ao meu lado perguntou se estava bem e mostrei-lhe do que me ria. Claro que não percebeu patavina, porque eu apenas apontava para a foto das escadas que conduziam ao balcão sem conseguir articular uma palavra tal era a risada.
Levantei-me para tirar os óculos da mala e o supervisor de voo, usual companheiro de viagem, fez-me o upgrade de classe o que me proporcionou dormir grande parte do voo, esticada ao comprido, numa poltrona mais que suficiente para uma 1/2 leka como eu. Uma cortesia a que já me acostumaram, de certa maneira para compensarem o facto de a TAAG não ter cartão de milhas e também porque se fartam de me ver para cá e para lá quase todos os meses.
A seguir ao jantar, que estava uma delícia, saquei da minha agenda e comecei a tomar notas sobre o que o Monumental me fez recordar, para mais tarde poder contar as aventuras que vivi com a irmã Cristina e os meus primos, Rui e Zé Manuel, no velho Cine.
Antigamente, o 2º período escolar terminava em finais de Fevereiro para só recomeçar em Abril porque tínhamos férias em Março (o mês mais quente do ano em Angola).
A minha avó tinha que trabalhar mas não prescindia de ter os netos com ela nesse mês. Proporcionava-nos momentos maravilhosos, lautos mata-bichos de garfo e faca, praia das 8 às 11, sesta obrigatória até ás 14:00, 1 hora de estudo e as brincadeiras na rua durante umas 2 horas (sempre vigiados pela Olímpia, primeiro e depois pela Domingas), o 2º banho e finalmente o jantar.
Todos os dias o menu era escolhido por um de nós de modo a podermos comer o que mais gostávamos. O meu prato preferido era carne assada, com os acompanhamentos habituais que eram imensos, arroz de manteiga, batatas coradas, couves de Bruxelas, feijão verde guisado e ovos mexidos. Ao lanche, nunca faltavam a paracuca e o pé de moleque, divinalmente feitos pela Domingas.
O avô adorava estar entre nós e durante aquele mês quase nunca ia com a avó para lhe fazer companhia na sua jornada. Estava muito calor e a doença de Parkinson dificultava-lhe bastante os movimentos. O Afonso, mais conhecido por Ganso, que estava sempre com ele para evitar que caísse, juntava-se à Domingas e à Olímpia que nos vigiavam como sombras onde quer que estivessemos, na praia, nas brincadeiras no passeio à volta de casa com os nossos amigos e dentro de casa onde não tinhamos permissão para deixar nada desarrumado, incluindo os brinquedos e jogos (monopólio e lotto).
Como sempre tive uma panka por tudo o que tivesse rodas, o meu passatempo favorito era andar de kart, que eu própria fiz com a ajuda do Papagaio (o namorado da Olímpia) e uns rolamentos velhos que consegui negociar numa oficina que havia no bairro da Peça. O resto, era uma selha desmantelada, pregos, parafusos, corda e o estofo de uma cadeira desengonçada que subtraí da arrecadação ao fundo da garagem. O Zé Mesquita era o meu empurra e quase sempre conseguia ficar em 1º lugar. Nem vos passa pela cabeça o barulho que faziam os rolamentos sobre os quadrados de cimento com reentrâncias que cobriam os passeios. O mais horroroso ainda era o eco que aquilo provocava devido à proximidade dos muros das casas do bairro da CUF, quase junto à estação na Av. Marechal Carmona.
Num desses dias de intenso barulho dos karts, a Mikas (a malvada indiana que vivia no rés-do-chão da casa dos meus avós) começou a ameaçar a Cristina e o Zé Manel que ia chamar os cipaios para baterem na Olímpia, como se a desgraçada fosse a culpada do baskeiro que fazíamos. A Cristina não esteve com meias medidas e atirou um pau contra a janela da sala da Mikas que quebrou o vidro e ficou lá espetado. A estúpida da indiana pensou que era um ataque terrorista e vai de começar aos gritos, acudammmmmmmmm que me vão matar!!! Ninguém lhe ligou importância, tampouco o pai que vivia com ela.
De vez em quando, escapava-me do controlo apertado do corpo de intervenção e ia até à passagem de nível sacar do comboio, que passava lento que nem uma lesma, umas mandiocas que adorava roer e uns paus de cana de açúcar que depois a Domingas descascava para chuparmos. Outras vezes, tirava a bicicleta que havia na garagem, meio de transporte que o Ganso utilizava para ir aos Correios e à Fazenda Pública comprar os valores selados que a avó vendia na tabacaria e embrenhava-me no bairro da Peça até à sanzala onde tinha muitos amigos. O pai de um deles ensinou-me a fumar cachimbo e a fazer scubidus. Um dia, não dei pelo tempo passar e quando cheguei a casa a avó aqueceu-me as bochechas.
O avô dava 5$00 a cada um, o suficiente para comprarmos um rajá e Bazookas ou apenas uma merenda. Em troca, pedia-nos uvas ou pêssegos que vinham da África do Sul e nós, inconscientes, fazíamos-lhe a vontade e tirávamos do frigorífico para lhe dar. Digo inconscientes porque o avô era diabético, insulino-dependente. Depois do jantar, que acontecia às 19:00 em ponto, a avó contava-nos imensas histórias, reais e fictícias, que nos grudavam ao chão à sua volta até serem horas da deita.
Dia sim, dia não, podíamos ir ao Monumental ver o filme em cartaz (se fosse adequado à nossa idade), acompanhados da Domingas e do Sr. Mesquita.
A tabacaria da minha avó ficava na Avenida Marechal Carmona, 2 portas acima da alfaiataria Mesquita, mesmo em frente à Lusolanda. Para fazer mais uns cobres, o Sr. Mesquita era porteiro do Monumental e não se importava de nos levar e trazer no seu carro e jogar um olho ao nosso comportamento durante a soirée. O Zé, o filho mais novo, também ia connosco.
A Cristina e eu, nunca levávamos nada a não ser um lenço de bolso e as Bazookas com as quais fazíamos altas bolas. Os lenços eram para esfregarmos os lábios que ficavam cheios da goma dos balões enormes que soprávamos até rebentarem, com imenso estrondo. O Zé Manel levava um conjunto de canetas de feltro (que tinham aparecido na altura) e que encaixavam umas nas outras, parecendo um stick. O Rui, defensor das primas, levava um cabide em madeira com a travessa comprida, qual mosqueteiro de trazer por casa. Nem sei como conseguia andar ou sentar-se no carro do Mesquita, com o cabide metido dentro das calças.
A risada começava no instante em que nos metíamos no carro porque o banco traseiro não era estofado e quase sempre nos magoávamos porque esquecíamos esse detalhe. Era uma excitação, gritávamos, pintávamos a manta e quase partíamos o banco cada vez que o Mesquita cometia uma aselhice, o que acontecia a cada segundo. Não estávamos nem aí, se houvesse um acidente melhor seria a noite. Cambada de irresponsáveis!!!
Ficávamos sempre no balcão, o mais acima possível e longe de olhares indiscretos porque queríamos fazer disparates. O relato acontecia sempre, ória nu teu trás, aiuê méu Deuz, akaaaaaa!!! imitando o que ouvíamos vindo da plateia, de acordo com a situação e o género de filme que estava a ser projectado.
Lembro-me de pelo menos 3 filmes que me ficaram na memória, As 4 Penas Brancas, Música no Coração (também o predilecto da Joana) e A Ponte sobre o Rio Kwai.
Quando havia filmes do Cantinflas, o Monumental quase vinha abaixo com tanta gargalhada.
Antes do filme começar projectavam uns documentários sobre Portugal Continental e as Províncias, mostando amiude o embarque das tropas portuguesas para o Ultramar, no cais de Alcântara. Depois havia um curto intervalo que o Rui aproveitava para bramir a sua espada e o Zé Manel o seu stick, que ficava sempre desmantelado porque eu lhe dava uns abanões. Já sabia que eu era a mestra das partidas, mas tentava sempre a sorte e depois amarrava o burro. Iamos ao bar comprar pipocas e bebíamos uma Carbo Sidral. Havia também a bebida de maçã da Canada Dry, mas aquela era a nossa preferida. A Domingas nunca permitia que cometessemos excessos nas porcarias que ingeríamos. Quanto ao resto, fechava os olhos e era um poço sem fundo.
Escada abaixo, escada acima, só parávamos quando soava de novo o aviso de recomeço de sessão. A Cristina ficava um pouco tonta com as nossas loucuras, mas lá nos acompanhava e ria às bandeiras despregadas com os disparates que fazíamos.
Quando chegávamos a casa o pagode continuava, em silêncio, para os avós não acordarem.
Muito teria ainda para contar, sobre o Monumental, as férias de Março na casa da avó e as coisas maquiavélicas que engendrava para pregar partidas a todos, adultos e crianças.
Recordo com muita saudade alguns amigos que ainda hoje tenho tatuados na alma e na pele.
A Marlene e a Celeste que partiram cedinho, sem terem tido tempo de brincar e de crescer.
A Domingas, a Olímpia e o Afonso que nunca mais tornei a ver.
Os meus avós, pilares indestrutíveis da minha infância feliz e despreocupada.
A minha Benguela velhinha, da Praia Morena, do Sombreiro, das Acácias Rubras, do Bairro da Peça com travo a tambarino, mukua e cana de açúcar.

Joaninha



Joana





Algumas fotos da festa da Clementina

Os mais crescidos, Cristina, Paula Dores, Silvio e Teresa




Os mais novos. Ainda há tão pouco tempo andavam ao nosso colo...

Avó Isaura (no meio, de branco), Tias Adelaide, Néné e Ester


Na casa da Bisavó Antónia, Moçâmedes

Avô António, Km 27


Ao fundo, Avó Isaura, Tio Afonso, Tia Conceição e prima Titó

Avós no casamento dos Tios Néné e Miguel, Moçâmedes

Our days with Mazda


Fases


Mafalda, Joana e Diogo



Avó Isaura e Tia Mimélia


Avô António e Avó Isaura com os primos Ester e Luis Carlos

Avó Isaura com a tia Mimélia e a prima Nelinha, 10.08.1945

Sunday, June 15, 2008

Euzinha,na alcofita - Lobito, Maio de 1955


Avó Isaura e tia Néné, Luanda - Julho de 1933


Bisavos Paternos, Isaura e Lourenço Morgado, 21.10.1898


Azure Ray, November

Love shapes