Thursday, February 21, 2008

Memories...


São tantas as recordações que tenho daquele local.

Andava sempre acelerada, mas mal atirava a bicicleta contra a parede e subia os dois degraus da entrada do velho Café Colonial, inspirava o fumo do tabaco que pairava no ar e os meus bichos carpinteiros desmaiavam.

Associava o verde do pano da imponente mesa de bilhar aos campos cheios de capim e de mato por onde adorava correr e saltar durante as férias grandes na cidade de Sá-da-Bandeira, na casa do meu primo Quim. A luz do candeeiro de dois abat-jours, rematados a berloques de croché, que pendia de uma das traves de carvalho existentes no tecto, desenhava sombras agressivas no soalho sempre bem lustrado e com um cheiro que ainda hoje seria capaz de reconhecer. Não me lembro de ter visto alguma vez papéis, cascas de ginguba ou pontas de cigarro no chão.

O Senhor Lopes, um dos donos do café mal me via ao balcão, trazia-me um copo de leite com Energetic e um papo seco com manteiga, o meu lanche preferido. Não me lembro quanto pagava, mas sei que dos 2$50 que o meu avô me dava diariamente, ainda comprava 2 Bazoocas. Às sextas-feiras tinha direito a uma moeda de 5$00, o que me proporcionava comprar também um rájá. A merenda (fatia de gelado entre duas bolachas) custava a módica quantia de 5 paus.

Na parede por trás do balcão, lá estavam os emblemas dos 2 grandes clubes portugueses de futebol. Por baixo, algumas taças e salvas de prata emolduravam as garrafas e copos, religiosamente alinhados nas prateleiras que tinham o mesmo formato do tampo do balcão. Cautelas de lotaria da Casa da Sorte, presas com molas da roupa, debroavam a última prateleira e esvoaçavam ao ritmo das pás da enorme ventoinha suspensa sobre o balcão.

O rádio com caixa de madeira art deco da marca Philco, estava centrado no aparador por baixo das prateleiras.

Os Francesinhos eram definitivamente os cigarros preferidos dos frequentadores do Colonial. Treinava cálculos de dividir e multiplicar enquanto lanchava ao balcão, movimentando o banco giratório a um ritmo intimidante para quem se tentava meter entre o meu e os dos lados.

O café tinha um odor agradável e viciante e talvez por isso ainda hoje o conserve como meu companheiro de todas as horas.

Do lado esquerdo do balcão, 3 enormes frascos de vidro transparente cheiinhos de sambapitos multicoloridos e outras guloseimas, faziam a alegria e aguçavam a gula dos petizes do colégio.

Costumava escutar conversas interessantes, sobre os mais variados temas. Para algumas tinha que afinar bem o ouvido porque eram feitas em surdina e com cotoveladas aos que não prestavam atenção à entrada de certos indivíduos. Havia também alguns maldizentes e o assunto, invariavelmente era saias e cornos. Lembro-me de uma vez um tal de Pires lamentar que a Adelaide, funcionária da Repartição de Fazenda e sua colega tinha levado um aumento maior que o dele, só porque tinha mamas Shocked .

Havia dois poetas que desgarravam sem parar. Um dia desafiaram-me para entrar na competição e aprendi a rimar...

O Afonso, a quem eu chamava Ganso porque movimentava o pescoço de uma maneira peculiar, era o engraxador de serviço no Colonial. Passava a vida a pregar petas a toda a gente.
- Aca minina Isaura, ontem as miútas quando mi viram com u minha capéu i us minhas capatos novos qui fazem cuém cuém si atiraram nu chão i gritaram aiiiiiii Ganso quirido!!!
- Afonso, não sejas mentiroso, porque a única pessoa que sabe que tu és ganso sou eu Big Grin Big Grin Big Grin !!!

No alpendre ao fundo do café, sob uma frondosa buganvília e alguns vasos suspensos com fetos que nos açoitavam as bochechas, estavam as "nossas" mesas de matraquilhos à volta das quais o grupo se juntava para jogar algumas partidas, sempre muito animadas. Chupavamos freneticamente bocadinhos de mukua ou de tambarino o que nos transfigurava os rostos, devido à forte acidez do sabor. Nunca ficavamos mais de uma hora, porque religiosamente às 5 horas, o Sr. Lopes ruava-nos.


.....

Pois é, no velho Café Colonial comecei a saber decifrar os estados d'alma das pessoas, por entre o estalar dos tacos nas bolas, os desenfreados matraquilhos, os assobios cantados do pai do meu melhor amigo e os bikeiros do Carlos, quando ficava com ciúmes do meu olhar noutra direcção que não fosse a dele.



Postado ao som de Meu Primeiro Beijo

2 comments:

asperezas said...

Q giro!

Já tinhas postado isto?

(PM, please?...)

CBugarim said...

Ja, no Mazungue.
Vou verificar.
Beijinho de Bom dia e aquele abraco